terça-feira, 29 de setembro de 2009

Adeus - de Eugénio de Andrade


Sei que já aqui disse que gosto muito de Eugénio de Andrade. Gosto mesmo muito.

Por isso, aqui mais um poema. Este é um bocadinho triste, na verdade. Mas lindo, ainda assim:



Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

2 comentários:

Samurai disse...

Muito bonito.

Coelhinho da Páscoa disse...

As palavras nunca se gastam, apenas se gasta o que se sente, e esse para algumas pessoas é eterno, é destino, é fado, sem que com isso haja tristeza. Pelo contrário, é como aquelas pessoas que envelhecem sabendo que o amor da vida delas sempre foi aquele, e alegria esteve sempre lá, no dia a dia, nos filhos, nos netos, no momento.