sexta-feira, 14 de março de 2008

Cheiros


Cheiros. É dos cheiros que me recordo quando penso na Baixa. Do cheiro das castanhas assadas, doa carros, das pessoas nos autocarros, dos ramos de violeta vendidos na praça e, sobretudo, do cheiro de mim.
Da menina que eu era e já não sou. Que escrevia poesia como se não houvesse amanhã. Que sabia onde ficava a pedra maior da cidade do Porto (é verdade, ainda sei isso...). Que ia para a Ribeira a pé. Que subia à torre dos clérigos para apreciar a cor dos telhados laranja e cinza da cidade do Porto. Que atravessava a ponte só pelo prazer de ver o rio com o vento na cara. Que percorria a cidade á procura das janelas e dos candeeiros mais pitorescos. Que ia a exposições de pintura. Que andava de eléctrico. Que comprava os tais ramos de violetas a uma senhora à porta de uma igreja na Praça, mesmo antes de começar a subir Sá da bandeira.
Era, então, uma menina poeta. Que achava o mês de Fevereira mágico por ser o mês dos gatos e das violetas... Logo eu, que nem gosto especialmente de gatos... Mas gosto de violetas. E gostava de junquilhos (ou narcisos). E de tulipas. Hoje continuo a gostar. E continuo a achar o mês de Fevereiro mágico. Não pelos gatos, mas pelos meus três pintainhos, todos nascidos nesse mês das violetas.
Nesse tempo, despedia-me de Orfeu antes de dormir. Passava mais tempo no céu que na terra. Escrevia muito. Tinha grandes aspirações artísticas.
Achava-me tão diferente do comum dos mortais...
Também cantava. E fazia rádio e teatro. Tinha uma amiga bailarina que também escrevia. E uma outra que não sendo bailarina era a minha melhor amiga. Com quem escrevia textos a duas mãos. Com quem os sonhos eram partilhados em rimas.
Tenho saudades desses cheiros. Dessas imagens de mim, menina poeta-cantora-escritora-actriz.
Dessa minha disponibilidade para o mundo, para o Porto, para as ruas da cidade, para os passeios despreocupados, para subir a torre dos clérigos. Para imaginar que um dia ia casar no cimo da torre...
Quem me diria então a mim que hoje, passado este tempo, eu seria uma típica burguesa, casada, com 3 filhos, que conduz um A3 e não escreve um poema à seculos?

Os cheiros de mim que foram ficando pelo caminho...

Hoje, já não cheiro a violetas. Na maioria dos meus dias, cheiro a uma mistura de leite de bebé com um creme qualquer que terei posto no rosto (a perfume, dificilmente, que me faz alergia...). Cheiro a Mulher e a Mãe. Já muito pouco a menina...
E ás vezes, só ás vezes (como hoje, ao ver a senhora dos ramos de violetas), tenho saudades.

1 comentário:

Anónimo disse...

Mas continuas a escrever magnificamente. Dá prazer ler os teus pedaços de vida. Se não estivesse já apaixonado por ti, apaixonava-me agora.
Que linda menina tu és.